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ANALISANDO A SOCIEDADE BRASILEIRA À LUZ DOS ENSINAMENTOS DE UM GRANDE PROFESSOR

ANALISANDO A SOCIEDADE BRASILEIRA À LUZ DOS ENSINAMENTOS DE UM GRANDE PROFESSOR

Existem duas falas às quais são dadas autoria a Paulo Freire (injustamente tão ofendido por aqueles que não o conhecem, nunca o leram e se acham conhecedores por meio das bravatas e frases de efeito de outros, que também nunca o leram) que me trazem grande reflexão na atualidade. Uma é, “Seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica.”

A cada dia que passa, mais frequentemente vemos excelentes executores de tarefas profissionais que, ao olhar o mundo a sua volta, parecem possuir uma “trave” no olho. Normalizam e aceitam de bom grado as injustiças, alimentam e são alimentados por elas. Algumas dessas já são tão estruturadas na sociedade que muitos nem sequer se questionam sobre o “porquê” e o “como” desses abismos sociais.

São pessoas de padrão de comportamento tão paradoxal, que até nos exaure pensar: Como pode alguém tão inteligente para realizar tarefas que muitos não conseguem realizar, com tanta qualidade e facilidade, não ter a mesma facilidade para olhar o mundo a sua volta e usar a mesma inteligência para transformá-lo em um lugar melhor para todos? Ao invés disso, seguem aceitando, alimentando e defendendo injustiças que são tão cruéis.

Mas a frase remetida a Freire ajuda bastante a entender. Somos educados a aceitar, normalizar, naturalizar toda injustiça a nossa volta. Crescemos assim. Aceitamos o mundo assim. Damos sequência a um mundo assim. É o comportamento resultante daquilo que foi aprendido num sistema educacional moldado para a manutenção do status quo. E tem funcionado perfeitamente. Poucos, ainda, se libertaram dessa “Matrix”.

Como Freire também nos ensina, essa educação elaborada por quem domina apenas nos ensina, na administração, no direito, na medicina, na engenharia, e em todas as áreas em que nos capacitamos e qualificamos para trabalhar, a “apertar o parafuso”. Não nos ensinar a pensar, a questionar o porquê dos fatos da vida.

Como ele bem coloca: “Não basta saber ler que ‘Eva viu a uva’. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho”.

E talvez essa indignação da classe dominante com todos aqueles que defendem uma educação para além do apertar parafuso, é que alimenta cada vez mais, projetos de degradação da memória daqueles que defendem uma “educação pensante”, uma “educação crítica”, pra além do saber fazer, mas do compreender, refletir, questionar e construir alternativas.

O outro pensamento que tem formigado minhas reflexões é “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”. Mesmo que inconscientemente, assim o fazemos. Somos moldados por uma educação que nos estimula a competir desde a primeira infância, bombardeados por uma cultura que naturaliza a opressão e que, ao naturalizar, nos incentiva a manutenção dessas atitudes.

Inclusive os anos em que governos mais progressistas estiveram no poder, pouco fizeram para mudar esse cenário, principalmente num contexto de conciliação em que o flerte com a classe dominante era grande.

Mujica traz uma reflexão importante, que ao meu ver, também contribuiu para esta reflexão. Em linhas gerais, ele diz que durante esses governos mais progressistas “… transformamos pobres em consumidores e não em cidadãos”. A melhora na vida daqueles que estavam mais vulneráveis de fato aconteceu, mesmo que temporariamente. Estes, até então, eram os principais oprimidos nesse sistema. Essa melhora não veio acompanhada de uma política que permitisse a compreensão daquela transformação que estava em curso. 

Ao chegar em uma situação econômica melhor, esses apenas tornavam-se replicantes da cultura dominante. “Se agora eu posso estar no lugar daqueles que me oprimiam, é minha vez de ser opressor”. Não é à toa que vemos um engajamento tão forte daqueles que se moveram para classes mais altas (e nem tão altas assim) e até aqueles que foram, mas voltaram (então sentiram o gostinho daquilo que é estar ali) em discursos de opressão (e aqui cabem várias frentes de opressão, infelizmente).

Aqueles que se levantam contra a opressão são os “mimimizentos”. Vivemos numa sociedade tão individualista que parece que todas as classes sociais perderam a capacidade de empatizar com o próximo.

É tão cotidiano ver pessoas que se movimentaram na pirâmide de classes defendendo a meritocracia, os “cases de sucesso”. Se conformando com as antigas e novas injustiças, alimentando e sendo um braço atual delas. De certa forma, os progressistas que governaram têm culpa ao tê-los transformado apenas em consumidores e não cidadãos.

Ainda assim, de 2013 pra cá, uma grande parcela dos que ascenderam socialmente se uniformizaram de cidadãos do bem, de membros da “família tradicional brasileira”, uma expressão que parece correta, mas numa análise mais profunda mostra níveis altos de preconceito, homofobia e xenofobia.

São muito mais movidos por bravatas, frases feitas de conteúdo raso e, principalmente, emoções, do que uma capacidade (e mesmo vontade) de ler, sem a “trave”, o mundo a sua volta. Tornaram-se opressores tão quanto aqueles que os oprimiam.

Ainda, muitos dos oprimidos não se levantam contra essa cultura, mas buscam lá a quem extravasar a sua dor oprimindo outros quando possível. E assim gira a impiedosa roda da sociedade moderna.

É o Brasil de consumidores que se acham cidadãos.

Contribuições: Lucas Campos Pereira

Fonte da imagem: https://www.extraclasse.org.br/educacao/2020/09/paulo-freire-celebrado-na-america-latina-e-caribe/

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