O mundo aparenta estar de ponta-cabeça ultimamente. A mesma cegueira que polarizou (e polariza) o cenário político, acaba por refletir, também, numa polarização raivosa qualquer outras discussões que naturalmente fazem parte da vida em sociedade.
A cegueira raivosa não escolhe escolarização. Torna analfabeto desde o analfabeto funcional até o pós doutor (“bambambã” lá da área dele).
Essa cegueira já foi inspiração poética quando atrelada as loucuras da paixão. A gente vê muito disso nos relacionamentos e no futebol.
Vale a “minha leitura” do mundo. Se não for pra concordar comigo, nem venha.
Provavelmente já presenciou o torcedor fanático irritado quando de forma racional você pondera sobre falhas do seu time. E aquele episódio tradicional em que você tenta contar pro/a traído/traída que o negócio tá dando ruim?!
Por mais que os argumentos sejam lógicos e visivelmente reais, a paixão cega. Se no argumento não for possível lhe confrontar, é bem possível que logo vai vir aquela “ahhh.. olha só o seu time pra você vir falar do meu”. No caso da traição, então, é bem possível que serão levantadas diversas falhas suas ao longo da vida pra tornar você alguém incapaz de merecer confiança sobre a traição que revela.
Nesse contexto (eu diria triste), a capacidade de discernir, de ser profundo e não raso, de ter como prática a busca e a alimentação por informações minimamente isentas, críveis e verificadas torna esses um pouco infelizes. Num mundo competitivo a incapacidade do outro seria diferencial a ser comemorado por aquele que estaria a frente, mas, para todos aqueles que acreditam numa educação crítica, emancipadora que transforme (pra melhor) a realidade, ver o quanto temos falhado nisso, só entristece.
Na política e na vida temos visto insistentemente essa prática apaixonada. Acrescida, ainda, de uma lógica binária. Ou você é 0 ou você é 1. Os infinitos números entre um e outro são ignorados.
Na política polarizada: se você abomina o bolsonarismo, você é lulista. Se você abomina o lulismo, você é bolsonarista. Os apaixonados bugam na possiblidade de você abominar os dois, mesmo sendo possível, na infinidade de números entre o 0 e 1, você abominar os dois, mas mais um que o outro.
Na discussão sobre o “morre de fome” ou “morre de vírus”, o fato de você entender que as coisas precisam funcionar, porém com protocolos sérios, fiscalizáveis e fiscalizados, que devem ser seguidos para minimizar tanto o problema econômico quanto o problema sanitário, te tornam do um “negacionista” na visão daqueles que querem o fechamento irrestrito, ou um irresponsável insensível por aqueles que querem uma atividade econômica “rufando” sem cuidado algum (ou com cuidados só no papel, com vista grossa pelo empresário e ignorados pelo poder público fiscalizador).
Cobrar responsabilidade com os protocolos de biossegurança no retorno presencial/híbrido nas escolas então.. logo vem o bravejo “você acha que é só na escola que o vírus circula?”, como se você quisesse uma escola fechada e não somente uma escola aberta (entendendo a importância social que ela tem), com precauções que pudessem garantir minimamente a segurança das crianças sob a sua responsabilidade.
Até na matemática do cálculo do valor da gasolina, há quem quer ter opinião sem saber o mínimo sobre composição de preço, sobre legislação tributária, dentre outros, que quando questionados, sem um argumento racional, volta ao discurso do torcedor de futebol (e o seu time?!) ou do (a) traído (a) (quem é você pra dar pitaco no meu relacionamento?!).
Pra que tentar mostrar pra alguém que 2 + 2 não é 5, se a opinião tem valor científico incontestável para esse grupo?
Seguimos o caminho do emburrecimento. Seguimos o caminho da ignorância, onde, cada vez mais, nos acorrentamos com aqueles que vencem ao nos acorrentar. Aqueles que nunca quererão nos ver libertos.